Empresário usa o que resta da dessalinização de água para cultivar camarões, longe do Litoral e com a promessa de ser um "projeto revolucionário economicamente para o estado".
Uma solução para evitar problemas ambientais deu origem a uma promissora atividade econômica agroindustrial que pode ser pioneira na Paraíba e com expectativa de receita estimada em R$ 1,8 milhão por ano.
Uma empresa de dessalinização aproveita o resíduo salgado da produção de água potável para cultivar camarões que podem crescer até 17 centímetros, com 15 gramas cada, peso superior às dez gramas do mesmo pescado produzido em água doce às margens do Rio Paraíba, onde se concentra a maior parte da produção no estado. A ideia é desenvolvida longe do Litoral, no km 70 da BR-412, na cidade de Serra Branca, a 234 km de João Pessoa, em pleno Cariri, uma área seca do estado.
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O projeto foi solicitado no final de 2013 pelo empresário Roberto Gaudêncio, proprietário da Puríssima, empresa de dessalinização que explora água subterrânea, localizada em Serra Branca. A ideia foi elaborada pelo doutor Rui Oliveira Macedo, professor pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na área de Farmácia, e presidente do Conselho Diretor da Fundação de Apoio a Biotecnologia e Inovação (Funbits), onde são promovidos apoios a projetos de pesquisa, tecnologia e incubação de empresas.
Após a aprovação pela Funbits, ainda em 2013, a proposta foi executada pela Puríssima em parceria com a UFPB e com o apoio financeiro do Sebraetec, um braço do Sebrae que torna prestadores de tecnologia e pequenos negócios mais próximos para que esses micro empresários tenham acesso à mão de obra especializada.
O professor Rui Macedo diz que o objetivo não era só ampliar atividades econômicas da região, mas também resolver o que seria um problema ambiental, já que o rejeito da água dessalinizada, o que resta do processo de purificação da água (também chamado de ‘concentrado’), não pode ser jogado no solo porque tem altas quantidades de diversos sais que podem intensificar a desertificação.
Por meio dessa proposta, além de fornecer água potável para o mercado, com a retirada dos sais, e proteger o meio-ambiente, o Cariri inicia uma fase inédita da economia, que é a produção de pescado a partir do que sobra da dessalinização da água. Rui Macedo afirma que não tem informações de projetos semelhantes na Paraíba ou em outros estados do Nordeste e traz mais detalhes sobre como tudo começou.
“A ideia foi concebida por mim em função da preocupação que tenho com a escassez de recursos hídricos da região do Cariri paraibano e que resultará na necessidade de obtenção de água potável através dos processos de dessalinização. Algumas empresas já usam este processo para purificação de água, vendendo-a no mercado. Este é o caso da empresa Puríssima que gera para cada litro de água purificada, um litro de rejeito que contém altas concentrações de sais e não pode ser jogado no solo. A nossa preocupação era sobre o que fazer com aquele rejeito para que a empresa pudesse continuar com a atividade econômica, atendendo às exigências dos órgãos ambientais. Foi aí que nasceu o projeto do cultivo de camarão de água salgada”.
O camarão cultivado é o Litopenaeus Vannamei (de patas brancas). Ele começou a ser criado de forma experimental no fim de 2013, em tanques. Inicialmente, foram três menores, com cerca de 300 metros quadrados cada, mas houve um alto índice de mortalidade e a estrutura teve que ser readequada, se transformando em dois tanques com cerca de 600 metros quadrados cada, construídos pelo empresário Roberto Gaudêncio. Depois disso, em dezembro de 2014, foram criados 250 kg de camarões, o que deu início à expansão de todo o projeto. Atualmente, já são seis tanques, com altas perspectivas de lucro.
“Pelos nossos, cálculos acreditamos que o retorno do capital investido será bem mais rápido do que a maioria dos negócios que conheço”, disse o pesquisador e responsável pela ideia, Rui Macedo.
Emprego, investimentos e receita
A aplicação desta primeira etapa do projeto envolveu dois consultores e um bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial, todos da Funbits, além de dois funcionários da empresa Puríssima.
O professor Rui Macedo informa que os custos do projeto, nesta fase inicial, ficaram em torno de R$ 20 mil, investidos pelo proprietário da Puríssima, Roberto Gaudêncio. Outros R$ 15 mil foram financiados pelo Sebraetec em conjunto com a empresa.
Segundo Rui, o projeto segue para a segunda etapa, quando será executada pela Puríssima a estruturação de dez tanques de mil metros quadrados cada, além da compra de equipamentos estimados em R$ 100 mil, necessários para a produção dos camarões em escala maior.
O professor afirma que a receita inicial do projeto deve ficar em torno de R$ 360 mil por hectare ao ano, com a implantação de criadouros em um hectare.
Em médio prazo, ou seja, em até cinco anos, a Puríssima pretende expandir a produção com a construção de tanques em cinco hectares, o que deve representar uma receita de R$ 1,8 milhão por ano. “O negócio pode se transformar numa importante e significativa receita agroindustrial da Paraíba. Quando analisamos a localização do projeto numa região, até então considerada problema para geração de emprego e renda, como é o caso do Cariri paraibano; estamos diante de um projeto revolucionário economicamente para o estado”.
O empresário Roberto Gaudêncio diz que os primeiros camarões produzidos em Serra Branca já foram comercializados em João Pessoa. Porém, os olhos do empresário Roberto Gaudêncio estão voltados para todo o estado e região Nordeste, já a partir de julho deste ano, quando o camarão cultivado nos novos tanques ampliados deverá estar pronto para a comercialização.
“Considero uma grande inovação. Há 15 anos no mercado, a Puríssima trabalha produzindo água dessalinizada com selo verde de qualidade industrial, prestando suporte a essa nova ideia que é a produção de camarões com o rejeito da dessalinização”. Ele estima que, até o projeto ser concluído, com cinco hectares de produção, deverão ser gerados 25 empregos diretos.
A Puríssima prevê que o quilo do camarão deverá ter um custo final de R$ 9 e ser repassado para revendedores por esse preço ou por um valor um pouco mais alto.
Situação hídrica de Serra Branca
A cidade de Serra Branca está em situação crítica de abastecimento de água. De acordo com dados da Agência Executiva de Gestão das Águas (Aesa), os dois açudes que abastecem o município, com pouco mais de 13 mil habitantes, têm apenas 11,8 mil metros cúbicos (m³), o que corresponde a 0,6% dos 2,1 milhões de m³ totais; e 1,1 milhão de m³, o equivalente a 8,4% dos 14 milhões de m³ totais, respectivamente.
Produção de camarões no estado
O maior polo de produção de camarões do estado, atualmente, fica às margens do rio Paraíba, abrangendo Itabaiana e cidades próximas, no Agreste Sul, a cerca de 80 km de João Pessoa. Toda a produção é feita em criadouros de água doce, em 100 hectares de cultivo administrados por pequenos e médios produtores. As informações são da Secretaria de Estado do Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca da Paraíba (Sedap).
O engenheiro de Pesca da Sedap, Davi Capistrano, diz que o camarão precisa ser cultivado por 90 dias até que alcance o ponto e o estado ideal para comercialização. A cada três meses, cada hectare produz de cinco a seis toneladas de camarão vannamei que pesam até dez gramas. Apesar de ser do mesmo tipo criado no rejeito de água dessalinizada em Serra Branca, esse vannamei cultivado em água doce pesa dez gramas, cinco a menos que o pescado produzido no Cariri da Paraíba, conforme informado pelo professor Rui Macedo e reforçado pelo empresário Roberto Gaudêncio.
O camarão produzido às margens do Rio Paraíba custa em torno de R$ 5,50/kg e é repassado para revendedores a R$ 14/kg. O preço pode subir para o consumidor final, dependendo de onde o produto é adquirido.
Campina Grande, João Pessoa e estados vizinhos, como Rio Grande do Norte e Pernambuco são os maiores mercados consumidores de camarões de água doce da Paraíba. “Os camarões são produzidos por todo o ano, mas é no período quente que o cultivo rende mais”, explica o engenheiro de pesca da Sedap, Davi Capistrano.
Rejeito dessalinizado
Conhecido também como ‘concentrado’, pode ser utilizado em várias atividades, como limpeza, descarga e na produção de alimentos para animais, como adiantou o coordenador do programa Água Doce na Paraíba, Robi Tabolka dos Santos. Ele é responsável por políticas públicas permanentes de acesso à água de qualidade para o consumo humano por meio do aproveitamento sustentável de águas subterrâneas, incorporando cuidados ambientais e sociais na gestão de sistemas de dessalinização.
Quanto a economias que utilizam o concentrado, Robi explica que o programa Água Doce colabora, atualmente, com beneficiários de três Unidades Demonstrativas na Paraíba (UD), sendo elas o assentamento Cachoeira Grande, na cidade de Aroeiras; o assentamento Fazenda Mata, no município de Amparo; e o assentamento Tigre, em Sumé.
Essas UDs utilizam o concentrado para criação de tilápias e irrigação da erva-sal, que é cortada, triturada e servida (misturada ou não) aos animais, preferencialmente cabras e ovelhas. Segundo Robi, nenhuma dessas UDs trabalha com o cultivo de camarão.
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Fonte: Portal Correio
Foto: Cedidas ao Portal Correio por Rui Macedo
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