Crianças, adolescentes e famílias inteiras estão sendo retirados às pressas da Paraíba para não serem assassinadas. A transferência dessas pessoas para outros Estados se deu porque elas receberam ameaças e continuar morando na Paraíba é o mesmo que assinar a sentença de morte.
Segundo o Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte (PPCAAM), todos os casos têm ligação com as facções criminosas `Okaida´ e `Estados Unidos´, as quais estão criando `listas da morte´ de meninos e meninas.
Desse grupo que deixou a Paraíba, estão incluídas duas crianças – com menos de cinco anos de idade; oito adolescentes; e duas famílias. Todos correm risco de morrer, por isso receberam proteção do programa, que é totalmente sigiloso. Esses casos foram registrados em apenas um mês e meio de implantação do PPCAAM. A expectativa, portanto, é que o número de protegidos aumente significativamente nos próximos meses, à medida que a população tome conhecimento de sua existência.
A ameaça de morte a crianças e adolescentes, segundo um integrante do PPCAAM (que não pode ser identificado por motivos de segurança) se dá com frequência na Paraíba, sobretudo nas comunidades periféricas onde a presença das facções criminosas é marcante.
As ameaças são mais comuns quando uma criança ou adolescente tenta abandonar a facção ou testemunha um homicídio, por exemplo.
Ameaças atormentam também os meninos que estão cumprindo medida socioeducativa no Centro Educacional do Adolescente (CEA), em Jaguaribe. Um deles, de 15 anos, conversou com a reportagem e admitiu ter medo de voltar às ruas. “Eu matei três pessoas. A última, uma mulher, eu retalhei na faca. Também já experimentei maconha e crack. Estou ameaçado de morte por conta disso”, declara.
O menino, de aspecto franzino e mãos pequenas, diz que pensa em seguir uma vida normal, com direito a ir à escola, brincar na frente de casa, jogar bola na praça da comunidade, mas isso para ele parece um sonho distante.
“Os traficantes querem me derrubar”, revela. O termo `derrubar´ no mundo do crime é o mesmo que matar. A ameaça impede o menino de pensar no futuro. “Eu sei que os `cara´ vão me matar”, declara.
Durante toda a conversa ele demonstra nervosismo. A vida difícil do garoto, que morava com a mãe e o padastro em uma comunidade paupérrima, foi um trampolim para ele se render aos apelos dos traficantes do local.
“Comecei usando drogas, depois já estava muito envolvido, não tinha como sair”, destaca. Os três homicídios cometidos na curta trajetória de vida, ele atribui a ordens de traficantes. “Quando eles mandam, a gente tem que fazer”, frisa.
O menino diz ter se arrependido dos assassinatos. A primeira vez que segurou um revólver, segundo ele, foi a mando de um traficante, o mesmo que o ensinou a atirar. “A arma é pesada, mas eles ensinam o que a gente tem que fazer”, afirma. Ele ainda não sabe quando vai deixar o CEA, mas revelou não ter muito entusiasmo com a liberdade. “Fico nervoso, tenho medo. Eu gosto da vida, não quero morrer. Preciso de ajuda”, apela o adolescente.
Internos do CEA sob ameaças
A sentença de morte assombra também um garoto de 14 anos, que cumpre medida socioeducativa no CEA por assalto a mão armada, em João Pessoa. A direção pede para alguém trazê-lo para conversar com a reportagem e, minutos depois, chega um menino de aproximadamente 1,20 metros, que não para de mexer nas mãos e de sorrir. Mas quando a conversa é iniciada, ele muda o semblante. O assunto é sério e parece amedrontá-lo.
O adolescente admite ter participado de pelo menos cinco assaltos em ônibus na capital. A missão dele era de recolher os pertences roubados. No último crime, foi pego pela polícia. A pouca idade não o impediu de se viciar em drogas e usar revólver calibre 38. No início deste ano, o menino sofreu uma tentativa de homicídio, quando jogava bola na praça perto da casa onde morava com a mãe e os irmãos, em uma comunidade da zona sul da capital. Ele mostra a cicatriz causada pelo tiro e logo esconde com a camisa. “Minha mãe chora muito por tudo isso”, afirma. Outro caso é de um menino de 16 anos, que no ano passado teria matado a tiros um desafeto, no município de Santa Rita. Esse diz não ter medo de nada, mas deixa escapar que gostaria de ser um respeitado empresário e construir uma família. Alguns de seus ameaçadores estão presos, outros foram mortos. “Mandaram recado por minha mãe. A demora é eu sair daqui”, frisa.
De acordo com o diretor Wendow Lacerda, praticamente todos os adolescentes que se encontram no CEA estão ameaçados de morte. “Essa é a consequência do envolvimento deles com a criminalidade. É lamentável, mas é a realidade. São meninos que ainda nem descobriram o prazer da vida”, declara o diretor. O perfil dos adolescentes ameaçados de morte na Paraíba segue uma linha: pobres, negros, pouca escolaridade e envolvimento com o tráfico de drogas.
Programa estadual de proteção tem demanda alta
Por conta de histórias como a dos garotos do CEA, o PPCAAM foi instalado na Paraíba, através de um decreto estadual. O programa está ligado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano. “A demanda existe e é muito alta. Infelizmente temos muitas crianças e adolescentes ameaçados de morte no Estado. Chega a ser alarmante”, declara um dos integrantes.
Não há informações oficiais sobre a quantidade real de ameaças a crianças e adolescentes, mas segundo estimativa da Polícia Militar e de membros de Conselhos Tutelares, não seria exagero dizer que uma a cada dez crianças e adolescentes que vivem em comunidades violentas estão ameaçadas de morte por traficantes.
As portas de entrada ao programa são os Conselhos, o Poder Judiciário e o Ministério Público (MP). De acordo a psicóloga Mery Lopes, do MP, o órgão já garantia essa proteção, antes mesmo da implantação do programa.
O promotor da Infância e Juventude Harlley Escorel disse que o MP recebe diariamente muitos casos relacionados às ameaças de morte contra crianças e adolescentes. Segundo ele, é a própria família do ameaçado que procura o órgão e pede a proteção.
“Nós estamos sempre atentos a essa questão, que é um problema sério e um grande desafio para as autoridades e a sociedade como um todo”, frisa. A inclusão começa com a identificação da ameça de morte, acomodação em local seguro e vai até o acompanhamento pós-proteção.
Fonte: Jornal da Paraíba
0 Comentários